A Maldição de Sharon Tate (2019): Quando o Horror Encontra a História — Nem Sempre com Sucesso, Mas com Algumas Ideias Interessantes
Dirigido por Daniel Farrands, A Maldição de Sharon Tate (2019) é um daqueles filmes que dividem o público entre o incômodo e a curiosidade. Ao escolher como tema central um dos crimes mais perturbadores da história dos EUA — o assassinato da atriz Sharon Tate e seus amigos por membros da seita de Charles Manson — o filme já nasce envolto em polêmica.
Com Hilary Duff no papel principal, a produção aposta numa abordagem de horror psicológico com elementos sobrenaturais e loops temporais, flertando com a ideia de destino trágico e premonições. Mas será que funciona?
A resposta é: mais ou menos. Ainda que o filme tropece em vários aspectos, há ideias e momentos que, honestamente, funcionam — e merecem ser destacados.
O Que Não Funciona: Horror Genérico em um Evento Histórico Real
Vamos ser diretos: há um desconforto legítimo na maneira como o filme tenta inserir sustos típicos de filmes B — portas rangendo, vozes sussurradas, vultos e visões sangrentas — em cima de uma tragédia real e recente o suficiente para que parentes das vítimas ainda estejam vivos. A crítica ao filme foi pesada, e com razão: a irmã de Sharon Tate, Debra, classificou a obra como “exploração barata”.
Lembro que, quando assisti ao filme pela primeira vez (sim, consegui assistir mais de uma vez), pensei em como esse filme poderia causar mal estar por tratar de um caso real ocorrido no final da década de 1960 com repercussão internacional e por tratar da tragédia da esposa de um grande cineasta de filmes de terror que estava em plena ascensão.
Além disso, a trama tenta se ancorar em uma estrutura de "final girl metafísica", onde Sharon tem visões da sua própria morte e tenta alterar o curso do destino. Porém, a execução soa repetitiva e previsível, sem o impacto emocional que a proposta exigia.
Mas Nem Tudo se Perde: Ecos de um Horror Inteligente (Que Quase Aconteceu)
Apesar desses tropeços, há momentos sinceramente interessantes. Um deles — talvez o mais potente — é o modo como o roteiro mostra Sharon tendo visões e alertando as pessoas ao redor. Ninguém acredita nela. Ninguém leva a sério. Em uma das cenas mais emblemáticas, alguém diz algo como: "Isso aqui não é um filme de Polanski", uma referência afiada a O Bebê de Rosemary (1968), dirigido por Roman Polanski, marido de Sharon. Essa fala, por mais sutil que seja, carrega um peso simbólico enorme: Sharon foi protagonista de um destino que parece escrito por forças invisíveis — um enredo sombrio demais até para o cinema.
Esse ponto da narrativa, onde a personagem clama por ajuda e é ignorada, toca em uma ferida coletiva: quantas mulheres, quantas pessoas, têm seus medos e intuições descartados como histeria ou fantasia? A crítica social aqui está latente — e, mesmo que o filme não a desenvolva com profundidade, o simples fato de ela estar presente já é algo a se valorizar.
Uma Breve (e Bem-Vinda) Imersão na Contracultura e no Mansonismo Pop
Outro aspecto digno de nota é a tentativa — ainda que tímida — de recriar o clima da contracultura californiana dos anos 60. A ambientação traz pinceladas da efervescência daquela época: uma juventude entre o flower power e a paranoia psicodélica, cercada de gurus espirituais e ideias de libertação que, muitas vezes, escondiam abusos, egos inflados e fanatismo.
O filme ainda acerta ao mencionar, de forma sutil, a ligação de Charles Manson com os Beach Boys, especialmente com Dennis Wilson. Esse detalhe é essencial para entender como Manson navegava entre o místico e o mainstream, usando o charme e a manipulação para se infiltrar no cenário musical e artístico de Los Angeles. A lembrança desse vínculo, mesmo que breve, ajuda a situar o espectador num contexto sociocultural mais amplo — onde os monstros nem sempre estavam à margem; às vezes, eles jantavam com estrelas do rock.
Conclusão: Um Filme que Falhou no Todo, mas Acertou em Partes
No fim das contas, A Maldição de Sharon Tate não é um bom filme — pelo menos, não como obra de terror ou como tributo à figura real que carrega no título. Mas também não é um filme vazio (ao menos, na minha opinião). Em meio aos clichês e à estética genérica, ele oferece lampejos de algo mais reflexivo, mais crítico, até mais simbólico.
O problema talvez seja a falta de coragem em seguir por esse caminho. O longa poderia ter sido uma verdadeira metáfora sobre a impotência diante do destino, sobre a invisibilização das vozes femininas, ou sobre como a cultura pop digere e regurgita seus traumas. Ao invés disso, optou por sustos fáceis — mas não sem deixar algumas sementes plantadas.
Para quem se interessa por true crime, cultura dos anos 60, ou o uso do horror como espelho da sociedade, vale a pena assistir — com senso crítico ligado, claro. Porque, mesmo em seus tropeços, o filme nos obriga a encarar uma pergunta incômoda: até onde vai o nosso apetite por transformar dor real em entretenimento?
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