Nos anos 80, o terror estava se reinventando. Se a década de 70 havia nos dado obras densas e psicologicamente perturbadoras como O Exorcista (1973) e o Amityville Horror original (1979), os anos 80 abraçavam o sensacionalismo, o excesso, os efeitos práticos e a tecnologia emergente. Amityville 3-D, lançado em 1983, surge exatamente nesse momento de transição e excesso.
O filme é o terceiro capítulo da famosa — e polêmica — franquia baseada na casa real localizada em 112 Ocean Avenue, em Amityville, Nova York, onde, em 1974, Ronald DeFeo Jr. abreviou a vida de sua família enquanto dormiam. A brutalidade dos assassinatos, seguida da alegação dos Lutz sobre forças sobrenaturais que os forçaram a abandonar a casa, se tornaram material fértil para a indústria do horror.
Um olhar psicológico e sociológico: por que ainda voltar para Amityville?
A década de 1980 nos EUA foi marcada por contradições sociais: enquanto o governo Reagan promovia conservadorismo, neoliberalismo e “valores familiares”, a juventude lidava com crises de identidade, explosão do consumo, expansão da AIDS e a tensão da Guerra Fria. O lar, tradicionalmente visto como espaço de segurança, começava a ser ressignificado no cinema de terror como um palco de traumas, possessões e fantasmas do passado.
Amityville 3-D, ao mesmo tempo em que tenta manter o tom sombrio da franquia, cede ao apelo comercial de incorporar o 3D como atrativo. O resultado é um filme que tenta assustar o espectador com elementos saindo da tela — literalmente — mas que, no fundo, traduz uma crise de sentido da franquia e da própria ideia de lar sagrado.
O protagonista John Baxter (Tony Roberts), um cético jornalista investigativo, representa o embate entre razão e crença. Ele compra a casa após desmascarar um grupo de médiuns falsos, acreditando que nada de sobrenatural existe ali. A casa, é claro, pensa diferente. E, como em todo ciclo de horror, o homem racional será confrontado com forças que escapam à lógica.
O contexto do 3D: recurso ou muleta?
Em 1983, o uso do 3D era uma tentativa de atrair o público para os cinemas em tempos de crise do setor. Hollywood vivia uma onda nostálgica da tecnologia 3D dos anos 1950, e Amityville 3-D seguiu essa onda, ao lado de outros como Tubarão 3D (1983) e Sexta-Feira 13 – Parte 3 (1982).
Contudo, a aplicação do 3D no filme é mais estética do que funcional. Objetos lançados em direção à câmera e criaturas que “saltam” da tela se tornam truques artificiais, que prejudicam o clima sombrio que a história exige. O horror psicológico é substituído pelo susto performático.
A casa como corpo: uma metáfora da morte que habita o cotidiano
Um dos elementos mais interessantes do filme, ainda que subexplorado, é o modo como a casa parece “se alimentar” da culpa, da negação e da dor dos personagens. A filha do protagonista morre em circunstâncias misteriosas e, mesmo depois de seu funeral, continua a ser vista como se estivesse viva. O luto não elaborado se torna uma porta aberta para o sobrenatural — um trope recorrente no horror dos anos 80, que aqui flerta com o gótico moderno.
A casa não é apenas um cenário — ela é um personagem, um organismo vivo que manipula, engana e destrói. Do ponto de vista psicológico, ela pode ser vista como a representação do inconsciente reprimido: um espaço onde o passado irrompe sem controle, e onde tudo aquilo que foi negado (morte, dor, espiritualidade) retorna com força.
Recepção e legado: fracasso nas bilheterias, sucesso como relíquia cult
Amityville 3-D não teve boa recepção nem de público nem de crítica. Foi considerado o ponto de saturação da franquia, e seu uso do 3D, em vez de ajudar, prejudicou a experiência ao tornar o filme caricato.
Mas, como acontece com muitos produtos da década de 1980, o tempo foi generoso. Para os fãs do horror nostálgico, o filme ganhou status cult por seu visual datado, sua trilha sonora melancólica e sua atmosfera bizarra. É um exemplar curioso de um momento em que o horror comercial ainda tentava equilibrar crítica social, espetáculo visual e narrativa sobrenatural — com resultados irregulares, mas fascinantes.
Curiosidades:
* Meg Ryan e Lori Loughlin, ambas adolescentes na época, aparecem no filme em papéis secundários. Hoje, são nomes conhecidos da cultura pop.
* A direção é de Richard Fleischer, veterano do cinema, responsável por clássicos como 20.000 Léguas Submarinas (1954) e O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (1966). Sua escolha para dirigir o filme evidencia o desejo de dar alguma legitimidade à produção.
* O filme não se baseia diretamente nos relatos dos Lutz nem nos livros originais, sendo uma narrativa completamente ficcional dentro do universo da casa.
Em resumo:
Amityville 3-D é um filme que marca o desgaste de uma franquia, mas também serve como espelho da transição estética e simbólica do horror no início da década de 1980. Entre truques de 3D e temas sombrios como o luto, a negação e o medo da verdade, o longa permanece como uma cápsula do tempo — e um lembrete de que, mesmo quando o horror se torna espetáculo, a casa continua assombrada.
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